Ainda há dias assim

É tão fácil envolvermo-nos na rotina, olharmos em frente e corrermos o tempo todo, para concretizar tarefas que se desvanecem no dia seguinte, mas que no momento em causa foram pequenos empurrões para que uma máquina gigantesca se aguente.

Somos obsorvidos na "foule" e tornamo-nos uns anões incógnitos, formigas insensatas e alienadas.

Hoje, enquanto conduzia, com o som capaz de acordar um morto na Polinésia, olhei o céu. Andorinhas bebés faziam as primeiras incursões pelo ar. Abriam o coração à liberdade e acreditavam na Mãe Natureza.

Quatro pombas, brincalhonas esvoaçaram, durante grande parte do percurso, como se de anjos se tratassem e me quisessem dizer:
- Vês? É fácil, segue-nos que te indicamos o caminho. Não temas.
E voavam ora em grupo, ora duas a duas, subindo e descendo, como se estivessem num carrocel de vento.

Imaginei-as a rir e a tagarelar. Jovens, felizes, cheias de esperança.

As papoilas estão vermelhas, viçosas na sua eterna fragilidade, gritam no meio da erva verde e graciosa.

Passo por charnecas calmas, apaziguadoras. Espalhados por elas, azinheiras e sobreiros, de ramos pendentes, parecem dizer:
- Anda! Senta-te aqui. Repousa um pouco. Ouve o silêncio e entra em ti. Pára e sente-te na alma.

O rio corre profundo, cheio de força viril, escuro, lutador, teimoso. Mas molha as margens com a serenidade e a doçura de uns braços ternos.

Mas a estrada teima em rolar, por baixo de mim, escura e triste, maltratada e marcada pela rigidez bruta do aço, da borracha...

E a gente canta, em altos berros, com os olhos brilhantes e cheios de amor:
- Eeeeeeeeeeeeeeeeu nada seria se vivesse sem tiiiiiiiiiiiiiiiiii!

à B, minha sombra e bússola, meu amor. Ao T. doce nino... criaturas de coração puro.