Quando eu morrer, os sinos tocarão a rebate.
Os sinos tocam sempre, quando alguém parte.
Será a rebate, sem parar, em aflição.
Ela partiu.
E nesse dia, talvez alguns amigos apareçam para se despedir daquela forma desesperada,
esquecendo os momentos em que eu não brilhei e relembrando apenas os bons.
Quando eu morrer, o mundo vai sentir a leveza.
A leveza de mais uma alma que parte.
E poderei, finalmente olhar para trás, ler a história de uma vida de faz de conta, em que as intenções foram sempre bem desenhadas, mas ficaram nesse plano, sem saírem, amarradas por finas e transparentes fitas de medos, de críticas violentas de mim mesma.
Quando eu morrer, serei como a andorinha, mas mais patética, ainda que me tenham permitido estar aqui por muito mais tempo que ela.
A vida é um fio pendurado que uma tesoura cega corta quando ninguém espera.
Nos dias mornos a seguir, haverá ainda quem chore e sinta a dor de forma pontiaguda que nos espeta o peito.
Mas o tempo, esse ser sem corpo, leva as ausências e a saudade fica atordoada.
Entrarão todos no rame-rame da vida e seguirão correndo como eu corri, sem saber bem para onde, porquê nem para quê?
Quando eu morrer quero que riam, que se amem e se abracem e digam:
- Ela está cá sempre, porque é pior que carraça e ama. Gosta de nós ainda que o seu silêncio seja mais forte.
Quero que recordem a mulher que esperou da vida o equilíbrio.
Que se atordoava com a dor dos outros e se perguntou até ao fim, por que razão o ser humano magoa tanto os semelhantes e mata e maltrata animais, crianças e velhos, os mais indefesos.
Quando eu morrer, despeçam-se com um até já, porque vos esperarei, numa sala imensa, cheia de copos e música,
para rirmos desta realidade aparente que nos leva a crer e a fazer o inconcebível.