Quando reencarnar, quero ser gato. Macho de preferência, para não ter muita responsabilidade. Bem... não quero ser, mas se puder ter a vidinha dos meus... e continuar a ser mulher... serei bem mais feliz.
Há o que acorda e corre para a torneira do lavatório, para beber a água fresca. Tem depois três ou quatro que miam a dar bons dias, espreguiçando-se, à entrada da cozinha, para que o pequeno-almoço (escrevi à moda antiga, para o Rafeiro não implicar com o acordo... ou comigo) seja servido. Tem ração de bebé, ração para gato de interior, ração para quem tem problemas urinários, e carninha de lata, que eu tenho que esmagar, porque eles não sabem o que fazer aos cubinhos... não comem de boca aberta....
Anteontem acordei com a Loira abraçada ao meu dedo indicador, com as duas patas da frente. Respira-se Paz. Transpira-se Paz, mas acabo sempre num cantinho pequeno de uma cama grande, porque toda a gente gosta de ir lá parar.
Há uns anos li La Maison de Papier, da Françoise Mallet- Joris. Acho que escrevi já sobe ela e a casa. Era de papel, como se tivesse portas ao bom estilo de correr, japonesas, quase transparente, onde aterravam escritores, vendedores, amigos dos filhos, empregada... Quando li, entrei na história, envolvi-me nas paredes daquele lugar. Imaginei cada pedacinho e acho que interiorizei a tal ponto que a minha casa é quase de papel. Só não acampa aqui muita gente. Isso porque eu gosto muito do meu pedacito de Paz. Mas quem mora cá dentro, toma cada canto como seu, e acabo por ter que dividir, negociar... às vezes empurrar e ralhar mesmo.
Se monto um escadote para me empoleirar e arrumar, o primeiro a saltar para lá é o meu companheiro das manhãs no quintal... alto, seguro de si, pede para sair, como se fosse um cão, e sem trela, lá anda pelo quintal a rebolar, a farejar, com olhar inteligente, paciente. É ele quem sobe à mesa, na minha hora de repouso: o pequeno almoço. Fica na pontinha, a olhar... só para fazer companhia... é ele quem salta e voa para aterrar no meu ombro, quando cozinho, sem uma arranhadela. É ele que se deita nas cadeiras, espera que outros passem, para lhes dar um tapa manhoso. Abraça os cães, como se lhes dissesse, Boa Melga! Tive saudades tuas!
As gatas dormem, escarrapacham-se nos móveis... miam por colo e beijos... jogam às escondidas, à bola... e a mãe delas, joga à apanhada com a minha Papoila. A troca de personalidades é patente... mas acho que não quero outra coisa.
Quando me sento, com música suave, deixo o incenso pairar na casa, todos se vêm deitar, sossegados, e o equilíbrio, a tranquilidade voltam a imperar aqui.