Tinha seis anos quando a mudança chegou.
Sentadas na escada da casa alugada,
que levava metade do ordenado do meu pai,
a minha mãe e as vizinhas esperavam
o desfecho de algo que lhes era longínquo.
De transistor na mão, com o medo a pairar
sobre as nossas cabeças, mas nos olhos
uma réstia de esperança que entrava
até ao peito e o fazia inchar e querer rebentar.
Sentadas na escada da casa alugada,
que levava metade do ordenado do meu pai,
a minha mãe e as vizinhas esperavam
o desfecho de algo que lhes era longínquo.
De transistor na mão, com o medo a pairar
sobre as nossas cabeças, mas nos olhos
uma réstia de esperança que entrava
até ao peito e o fazia inchar e querer rebentar.
Ouviam-se aviões. Pelo menos lembro-me de um.
Uns dias mais tarde, pela vila, a pé,
vieram os soldados que traziam um
soldado, morto no ultramar,
de regresso à terra que o viu nascer.
A vizinha, ao meu lado, com um imenso
ramo de cravos vermelhos, apertados ao peito,
oferecia generosa e muito comovida,
a cada soldado que a pé passava,
em silêncio e a marchar.
Lembro o som das botas e logo associo
à primeira canção que a minha mãe pediu
no programa de rádio que tinha por
nome Discos Pedidos, penso eu, seria "Quando o Telefone Toca" -
"Grândola Vila Morena", de Zeca Afonso.
Uns dias mais tarde, pela vila, a pé,
vieram os soldados que traziam um
soldado, morto no ultramar,
de regresso à terra que o viu nascer.
A vizinha, ao meu lado, com um imenso
ramo de cravos vermelhos, apertados ao peito,
oferecia generosa e muito comovida,
a cada soldado que a pé passava,
em silêncio e a marchar.
Lembro o som das botas e logo associo
à primeira canção que a minha mãe pediu
no programa de rádio que tinha por
nome Discos Pedidos, penso eu, seria "Quando o Telefone Toca" -
"Grândola Vila Morena", de Zeca Afonso.
Lembro de ver a minha mãe a misturar água quente
e farinha para ter cola e poder colar cartazes
uns tempos depois, por baixo da janela da casa
e da genica e a certeza com que defendia Eanes e Otelo.
Lembro-me de como ela chorava quando nos contava
quem fora o General sem Medo e de como o meu
avô materno, homem grande e forte, de coração doce,
defendia e o admirava e de o avô ouvia notícias na BBC
com o copo de água sobre o mesmo,
crendo que assim não
seria detectado.
Lembro das imagens de libertação de José Mário Branco.
Lembro de Custóias... Lembro os comícios e o
lencinho vermelho com a foice a estrela e o martelo
amarelos que usávamos com um orgulho tão
grande para uns fedelhos tão pequenos.
A áurea que sobre nós caiu, sobre as vizinhas, uma áurea de
entreajuda, com olhares de riso e de paz estão gravados
na memória.
Quando o M. Guilherme pintou
"a mão" do PS , como lhe chamávamos, na porta da garagem,
na chapa de zinco. Duma garagem que nem da mãe era.
Quando o socialismo cheirava a partilha e a entreajuda.
Lembro o anjo, dos muitos anjos que em Abril e
antes dele correram terras de aquém e de além mar,
e abrindo os olhos, firmaram pernas
e gritaram alto a palavra : Basta!
A Salgueiro Maia, a todos os soldados que seguiram
os seus capitães porque acreditaram que o
amanhã iria ser melhor.
Teria que ser melhor!
Aos cantores que ficaram a pairar sobre
nós para nos lembrar que vale a pena querer
o bem comum, haja o que houver.
Um dia Abril será melhor.
e farinha para ter cola e poder colar cartazes
uns tempos depois, por baixo da janela da casa
e da genica e a certeza com que defendia Eanes e Otelo.
Lembro-me de como ela chorava quando nos contava
quem fora o General sem Medo e de como o meu
avô materno, homem grande e forte, de coração doce,
defendia e o admirava e de o avô ouvia notícias na BBC
com o copo de água sobre o mesmo,
crendo que assim não
seria detectado.
Lembro das imagens de libertação de José Mário Branco.
Lembro de Custóias... Lembro os comícios e o
lencinho vermelho com a foice a estrela e o martelo
amarelos que usávamos com um orgulho tão
grande para uns fedelhos tão pequenos.
A áurea que sobre nós caiu, sobre as vizinhas, uma áurea de
entreajuda, com olhares de riso e de paz estão gravados
na memória.
Quando o M. Guilherme pintou
"a mão" do PS , como lhe chamávamos, na porta da garagem,
na chapa de zinco. Duma garagem que nem da mãe era.
Quando o socialismo cheirava a partilha e a entreajuda.
Lembro o anjo, dos muitos anjos que em Abril e
antes dele correram terras de aquém e de além mar,
e abrindo os olhos, firmaram pernas
e gritaram alto a palavra : Basta!
A Salgueiro Maia, a todos os soldados que seguiram
os seus capitães porque acreditaram que o
amanhã iria ser melhor.
Teria que ser melhor!
Aos cantores que ficaram a pairar sobre
nós para nos lembrar que vale a pena querer
o bem comum, haja o que houver.
Um dia Abril será melhor.
2 comentários:
Está uma descrição muito bonita e sentida :-)
Gostei muito de ler!
Eu já era um bocadito mais velhota...lembro-me de tudo como se tivesse sido ontem...mas não foi...
Viva as Vitórias de Abril!!!!
beijOca (outra)
:) Obrigada.
Lembro-me sempre e emociono-me por lembrar os abraços e os olhares das pessoas.
beijoca pa ti tb
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